segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Música erudita e contradições históricas.

Música Erudita

Reprodução

Manuscrito célebre pela sua forma de coração, copiado por volta de 1475 por Jean de Montchenu, na altura protonotário e conselheiro do arcebisbo de Genebra. Este fólio mostra um rondó para três vozes de autoria do músico franco-flamengo Iohannes Regis (c.1430 - c.1485). "Se quereis que vosso seja, Pensai que vos amarei, E lealmente vos servirei, Enquanto viva ou seja".

Existem três definições para a música erudita, ou música clássica.

A primeira delas, utilizada por muitos dicionários de música, define a música erudita como sendo música "séria" em oposição à música popular, música folclórica, música ligeira ou de jazz. Essa definição talvez não seja a melhor a se fazer, se considerarmos que a música para ser séria não precisa, necessariamente, ser música erudita.

A segunda definição, que serve apenas para a música clássica, afirma que essa música seria qualquer música em que a atração estética resida principalmente na clareza, no equilíbrio, na austeridade e na objetividade da estrutura formal, em lugar da subjetividade, do emocionalismo exagerado ou da falta de limites de linguagem musical.

Nesse sentido a música clássica implica a antítese da música romântica feita em fins do século 17 e início do século 19, em que a ênfase recaía sobre os sentimentos, as paixões e o exótico, em lugar da razão, da contenção e de esteticismo da arte clássica.

O problema nesse caso é que os primeiros traços do romantismo, que seria a música contrária à música clássica, podem ser apreciados nas obras de Beethoven e Schubert, e, em um perídodo mais adiante, nas de Brahms, Wagner e Liszt, ou seja, hoje o termo música clássica, para a grande maioria das pessoas, abrangeria estes nomes como compositores de música clássica ou erudita. Ninguém em sã consciência afirmaria hoje que Beethoven seria a antítese da música clássica.

Assim sendo, essa também não é uma boa definição para o termo.

Uma terceira definição afirma que música erudita seria a música feita durante o período de 1750 a 1830, em especial a de Haydn, Mozart e Beethoven. Podemos dizer que nesse período a música mais representativa e mais mencionada é a da Escola Clássica Vienense, refletindo a importância de Viena como capital musical da Europa nesse período.

A Escola Clássica de Viena seria responsável pelo desenvolvimento da sinfonia, do quarteto de cordas e do concerto, e assistiu ao triunfo final da música instrumental sobre a música coral. Entre suas mais importantes e duradouras realizações está a introdução e o estabelecimento da "forma sonata" _estrutura musical que se desenvolveu durante a segunda metade do século XVIII nas sonatas, sinfonias, concertos, aberturas, quartetos, árias e etc.

Suas origens são complexas e só se tornarão conhecidos como formato padronizado após serem definidas por Reicha, em 1826, e depois por Czerny, em seu compêndio "Escola Prática de Composição", em 1848.

As principais características das "formas sonatas" estão nos primeiros movimentos de Haydn, Mozart e Beethoven. As principais mudanças que essas "formas sonatas" trouxeram para a música estão nas violentas oposições de vários tons, no contraste entre várias idéias temáticas diferentes, que, por sua vez, aumentam substancialmente o aspecto dramático da música e na articulação da estrutura através da instrumentação.

Os fatos musicais no interior da sonata costumam ser explicados a partir de três planos: exposição, desenvolvimento e recapitulação.

A exposição apresenta o material temático que caminha da tônica, que é a primeira nota de uma escala, da qual o tom em que a escala está construída recebe o nome, ou seja, a tônica da escala de dó maior ou de dó menor é dó. Existe também, dentro de uma escala, a nota dominante, que é a quinta nota acima da tônica, ou seja, se a tônica for dó a sua dominante será sol, pois sol é a quinta nota da escala de dó (1ª dó, 2ª ré, 3ª mi, 4ª fá, 5ª sol, 6ª lá, 7ª sí).

O desenvolvimento diz respeito à discussão e transformação dos temas, aliás é sempre bom lembrar que o tema é a idéia musical que forma a parte estrutural e essencial de uma composição.

A recapitulação é a que representa ao material de exposição, basicamente na área da tônica. A função dramática dessa seção é afirmar o tom original, após a transferência para a dominante no final da exposição. É a recapitulação que dá o toque final na sonata.

Porém, segundo grandes estudiosos da música e de teoria de musical, o termo que melhor representa a música dos grandes compositores é música de concerto, o que demonstra a impossibilidade de classificá-la, pois como afirma Ênio Squeff, "Beethoven não tem nada de erudito, nem Villa-Lobos. A música de concerto é aquela inqualificável. É a gênese da atividade musical".

No Brasil

A Música Erudita, ou Clássica, ou de Concerto, no Brasil dos primeiros séculos de colonização portuguesa, vinculava-se estritamente à Igreja e à catequese. Com o passar do tempo, irmandades de música, salas de concerto e manuscritos brasileiros vão traçando o perfil de uma atividade crescente no país, onde pontificaram nomes como Antônio José da Silva, cognominado "O Judeu", José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Caetano de Mello Jesus, entre outros.

Com a chegada de D. João VI no Brasil, tivemos também um grande impulso às atividades musicais e José Maurício Nunes Garcia destacou-se como o primeiro grande compositor brasileiro.

Mas mesmo com todas as obras feitas por estes compositores, ainda no século 19, falar em música erudita brasileira era motivo de riso, num período totalmente dominado pelos mestres italianos (com esporádicas contribuições de alemães e franceses).

Foi somente com Villa-Lobos que a música nacionalista no Brasil introduziu-se e consolidou-se pra valer.

Nessa época, ignorava-se compositores como Alberto Nepomuceno e Brasílio Itiberê da Cunha, exatamente por causa da excessiva brasilidade de suas composições, e admitia-se Carlos Gomes graças ao sucesso europeu.

É a partir de Villa-Lobos que o Brasil descobre a música erudita e o país passa, desde então, a produzir talentos em série: Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone, Radamés Gnatalli, Camargo Guarnieri, Guerra-Peixe, Cláudio Santoro e Edino Krieger são alguns desses expoentes.

Mas mesmo hoje, o Brasil ainda é um país que não percebeu o devido valor da música clássica ou erudita ou de concerto, talvez por causa de nossa história ou de nossa situação político-econômica. Os músicos eruditos e os artistas em geral são, como na opinião do professor Koellreutter, "uma espécie de Quixotes, que lutam contra os moinhos de ventos".

Renato Roschel

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